Segue entrevista conduzida pelo Ricardo Pereira da Silva a 12 Outubro 2025, in RAWSTØRIES (rawphotology.com) com o título Sofia Boullosa Soveral: A quiropráctica virá sempre como primeira abordagem, quando falamos da coluna vertebral.
Por principio, toda e qualquer entrevista deve cumprir o desígnio de serviço público e de informação, mesmo quando atende somente os interesses duma pequena minoria. Neste caso e para la do que cumpre, enquanto entrevista, senti que era de interesse de tanta gente dar a conhecer uma das pessoas mais credenciadas, que conheço, para falar sobre algo que afecta uma maioria crescente da população adulta, especialmente a ocidente: os problemas de coluna e as dores limitadoras ou mesmo incapacitantes que eles podem provocar.
Num mundo onde existe uma lista infindável de profissionais que aplicam a sua sabedoria à coluna de milhares de pessoas, descobri, em boa hora, a Dra. Sofia Boullosa Soveral, que me ajudou a perceber que a sabedoria já vem, afinal, incluída na nossa própria coluna e que se trata duma sabedoria superior, à espera de ser compreendida.
Por isso mesmo, não podia continuar com este peso às costas, de não partilhar, publicamente, a visão, a experiência e a missão de alguém que, mais do que perceber de problemas de coluna, percebe e é fascinada pela sua sabedoria inata.
Ricardo Pereira da Silva (RPS): Como se deu a tua ligação à Quiroprática?
Sofia Boullosa Soveral (SBS): Fiz formação na Faculdade de Motricidade Humana em ciências do Desporto, que acabei em 2003. Na altura, era personal trainer e dava aulas para pessoas com problemas de coluna, numa clinica de Reabilitação Física. Essa sempre foi a minha paixão. E foi então que acabei por ser convidada para trabalhar com exercício numa clínica de Quiropráctica, onde vi muitos 'milagres', inclusivamente comigo própria, que sofria de dores de cabeça crónicas e, às vezes, incapacitantes e que a medicina convencional não me conseguia ajudar. Foi aí que fiquei completamente apaixonada pela Quiropráctica e que começou a minha odisseia de estudar Quiropráctica. E em 2012, eu e o Zaca - o meu marido -, decidimos mudar de vida e mudar-nos para o Reino Unido, para o Zaca estudar Quiropráctica; e nessa altura eu tive de trabalhar para nos sustentar a ambos. Quando ele terminou o curso, voltamos para Portugal, mas eu nunca desisti do sonho de trabalhar com a coluna. Então, decidi, uns anos depois, fazer o curso de Quiropráctica, no Mctimoney College of Chiropractic, em Manchester, e foi a melhor decisão da minha vida porque, apesar de ter sido muito exigente ao nível pessoal e académico, mudou a minha vida.
RPS: Como nasceu a Quiroprática?
SBS: A Quiroprática nasceu em 1895, nos EUA, mais precisamente em Davenport, Iowa, pelo Daniel David Palmer, urn terapeuta do Canadá, que, apesar de exercer a sua actividade como terapeuta de Magnetismo, era um grande estudioso do corpo humano.
Nesta fase, nos EUA, a população procurava terapias alternativas, pois havia algum descontentamento com a Medicina tradicional. A Medicina da altura tinha alguma limitação em determinadas áreas, com tratamentos altamente invasivos e perigosos (ex: sangramentos, cirurgias sem anestesia, etc).
Na altura D. D. Palmer teve no seu consultório urn homem, chamado Harvey Lilard, que procurou os seus serviços de terapia magnética, pois revelava uma surdez que dizia ter ocorrido depois de urn estalo na coluna, enquanto trabalhava. Isto chamou a atenção de D. D. Palmer, sendo um estudioso do Sistema Nervoso, percebeu que deveria haver algum tipo de ligação entre o estalo e a surdez, com o eventual funcionamento incorrecto de uma vértebra.
Durante a examinação, D. D. Palmer percebeu que a primeira vertebra torácica estava "presa" e ajustou-a na direcção oposta, e nesse preciso momento Harvey Lilard, levantando-se atarantado, reportou que a sua audição havia miraculosamente retornado ao normal.
Apesar de sabermos que não existe uma ligação especifica da 1° vertebra torácica com a audição, pois isso é feito pelo nervo craniano VIII ou vestíbulo-coclear, mas sabemos que existe uma correlação neurológica entre as artérias que levam o sangue para o ouvido; e essa ligação da 1a vertebra torácica através do Sistema Nervoso Simpático, poderá explicar o efeito neurológico sentido. E foi assim, meio envolvido em mistério que esta técnica nasceu.
Depois disto, B.J. Palmer, filho de D.D. Palmer, sendo o responsável pelo desenvolvimento da profissão e um estudioso da saúde humana, tornou a Quiroprática mais científica, utilizando inclusivamente o Raio-X para a análise de patologias da coluna e para a realização de um trabalho mais específico e minucioso. Ele foi responsável pela criação da 1ª escola de Quiroprática, Palmer College of Chiropractic e pelo desenvolvimento do currículo académico, com áreas de estudo diversas.
RPS: A Quiropráctica, em termos de área de intervenção na coluna, está mais próxima das práticas e benefícios da Fisiatria, da Ortopedia, da Neurologia ou de todas elas?
SBS: A Quiropráctica distingue-se bastante das outras vertentes que também tratam da coluna, em termos da forma como actua e também em termos conceptuais. Em primeiro lugar, em termos conceptuais, a Quiroprática, entre as terapias complementares, tem como base filosófica que 'o nosso corpo tern uma tendência para a cura, desde que Ihe sejam dadas as condições correctas'. Alem disso, acreditamos que ao actuar na coluna estamos directamente a actuar no sistema nervoso central e que, por isso, temos efeitos não só biomecânicos nas articulações, que fazem com que as articulações pós ajustamento funcionem melhor; mas também um efeito neurológico importante, que vai ter repercussões autónomas nos diferentes orgãos, devido à ligação da medula e do nervo periférico que irriga cada órgão. Daí termos pessoas que nos procuram por problemas de coluna mas que reportam muitas vezes melhorias a nível do sono, melhoria da digestão, melhoria das condições respiratórias, doenças auto-imunes, etc.
E em segundo lugar, também actuamos de forma diferente. A nossa tendência é olhar para a coluna e o seu conjunto de articulações de forma muito específica, mas também global: por exemplo, se uma pessoa se queixa de dores de pescoço, eu não irei tratar apenas a zona mas sim tratar da coluna do ponto de vista funcional, uma vez que a coluna tem urn conjunto de 33 peças, das quais 24 peças móveis; e um problema cervical vem muitas vezes acompanhado de uma disfunção na lombar.
Na Quiroprática, fazemos ajustamentos na coluna e não tratamos o tecido mole, pois acreditamos que essas patologias ou disfunções advêm de um mau funcionamento da estrutura, que é a coluna vertebral. Aliás, costumo dizer muitas vezes que os músculos são estúpidos e que seguem ordens do Sistema Nervoso Central, ou seja quando estão muito contraídos, eles estão apenas a proteger uma determinada área que pode estar disfuncional, havendo urn propósito nesse excesso de tónus muscular.
RPS: Os efeitos e benefícios da Quiroprática só se revelam ao nível da coluna do paciente?
SBS: Não. Tal como disse anteriormente, nós acreditamos que as sub-luxações (lack of light) - um termo apenas usado na Quiroprática, que são fixações de um determinado segmento vertebral, ou seja, mau funcionamento das articulações - condicionam o fluxo neurológico dos nervos periféricos que saem dos vários pontos ao longo da coluna, mas não só, dado que poderá também afectar inclusivamente a medula espinal. Então, se elas podem influenciar a entrada e a saída de informação neurológica do Sistema Nervoso Central, podem também condicionar o funcionamento dos órgãos; e isso vê-se muito em clínica, com situações como digestões condicionadas, tendência para infeções urinárias, asma e inclusivamente regulação da tensão arterial, dores de cabeça, etc.
Na Quiroprática, já tive o prazer de testemunhar muitos ‘milagres', que a ciência não consegue explicar. Hipócrates dizia ”Olha para a coluna pois ela é a causa de muitas doenças”.
RPS: A Quiroprática é independente da Medicina Tradicional ou serve-se dela, de alguma forma, por exemplo na utilização da Imagiologia (Raio X, Ressonância Magnética,…) ou da Fisioterapia, entre outras?
SBS: A formação de Quiroprática é muito extensa e completa. Nos EUA e no Reino Unido somos considerados “Primary care providers” e por isso estamos independentes dos médicos e podemos prescrever, fazer e analisar Raio-X.
Em Portugal, por causa da legislação, isso não nos é permitido. Tive 4 anos de Radiologia e tenho competência para saber identificar patologias de coluna e até mesmo doenças degenerativas, cancros, etc. No entanto, em Portugal tenho de me fazer valer dos médicos para fazerem o pedido do Raio-X, o que por vezes nem sempre facilita o processo, mas temos de aceitar.
É uma profissão regulamentada pelas autoridades de Saúde, no entanto como não existe formação em Portugal e somos poucos, acabamos por não ter ainda conseguido ter essa valência de podermos, inclusivamente, ter máquina de Raio-X na clínica. No Reino Unido e noutros países do norte da Europa, a Quiroprática é, inclusivamente, comparticipada pelo SNS (Serviço Nacional de Saúde).
RPS: Enquanto Quiroprática, obedeces ao Juramento de Hipócrates?
SBS: Não necessariamente. Não temos que assinar esse juramento. No entanto, tirei o curso de Quiroprática no Reino Unido e lá a profissão é extremamente regulamentada e temos responsabilidades que são como as de um médico, tais como podermos referenciar um outro especialista, caso se encontre algo preocupante e que não seja do âmbito da Quiroprática, não podendo em momento algum pôr em perigo a vida do paciente e devemos sempre actuar dentro dos seus melhores interesses.
Quero com isto dizer que, apesar de não termos assinado esse juramento, seguimos os seus princípios basilares.
RPS: A Quiroprática está mais próxima da Alopatia (prescrição de medicamentos com efeito contrário ao causado pelo agente patológico) ou da Homeopatia?
SBS: É interessante fazeres essa pergunta. A Quiroprática, no espectro de todas as medicinas, inclusivamente nas complementares, está na outra ponta, ou seja, nós acreditamos que a doença vem de um desequilíbrio no Sistema Nervoso Central, causado muitas vezes por disfunções da coluna. Não utilizamos medicação ou outras substâncias, como intervenção no paciente. Temos uma máxima que é ”Healing comes from Above-Down and Inside-Out”, querendo com isto dizer que a cura vem sempre do Sistema Nervoso Central para o resto do corpo e de dentro para fora e não o contrário, como tanto a Alopatia e a Homeopatia preconizam.
RPS: Qual a maior diferença, em termos de tratamento das disfunções da coluna, entre a Quiroprática e outros tratamentos disponíveis, tais como a Medicação, a Cirurgia, a Osteopatia, a Fisioterapia, as Massagens ou até mesmo o Pilates Clínico?
SBS: A Quiroprática não é sintomática, mas sim funcional. Ou seja, a Quiroprática procura optimizar a função da coluna e, como resultado, o sintoma desaparece; e não como a maioria das terapias, que tendem a tratar o sintoma. Tantas vezes, nos pacientes que nos procuram com dores lombares, a causa está na disfunção vertebral na cervical, quando, normalmente, a Medicina tradicional vai procurar onde está o sintoma e tenta corrigi-lo ou atenuá-lo com cirurgia ou medicação, quando em tantos casos essa não é a causa, o que pode levar a disfunções vertebrais noutros locais da coluna.
A Quiroprática centra-se na perspetiva de que o corpo tem uma inteligência inata e que sabe, melhor do que a nossa consciência, reagir a um determinado problema: por exemplo, face a uma lombalgia crónica, em que existe dor e espasmos musculares, o quiroprático não tenta relaxar os músculos, que estão ali a fazer o seu trabalho e a proteger a coluna, mas sim intervir na causa desse espasmo, que reside numa disfunção vertebral naquele nível ou até numa outra zona da coluna.
RPS: Tens alguma história de sucesso, de alguém que tenha chegado a ti com o rótulo de ‘caso perdido’?
SBS: Sim, tenho algumas. Por exemplo, um rapaz relativamente novo, com indicação para operação urgente à cervical, com perda de força no membro superior e atrofia muscular e que hoje, depois de ter sido acompanhado na Quiroprática, recuperou toda a função no membro superior, não tem qualquer queixa, sendo acompanhado quinzenalmente de forma a manter a coluna funcional e sem compromissos neurológicos.
RPS: A última opção, para alguém que vê a sua qualidade de vida drasticamente reduzida, por problemas na coluna, é a cirurgia ou a Quiroprática?
Mas, além destas, tenho muitos outros casos de pessoas que, sem esperança, já tinham tentado tudo e não conseguiam perspetivar uma vida saudável, incapazes de fazer exercício ou sempre com medo de ficarem com crises terríveis; e que hoje têm uma vida saudável e sem restrições. Ou seja tenho alguns fãs incondicionais da Quiroprática.
SBS: Pela minha experiência clínica, diria que deverá procurar-se fazer os métodos menos invasivos primeiro. Ou seja, sou da opinião que devemos tentar tudo antes da cirurgia.
Conto bastantes casos que se diziam perdidos e que obtiveram respostas com a Quiroprática. Logo, não se deve “sentenciar” antes de tentar tudo, até porque a cirurgia é algo irreversível e tem efeitos secundários que podem ser bastante complicados.
RPS: A Quiropráctica é, então, a primeira opção para quem começa a sentir essas limitações?
SBS: É claro que eu sou suspeita de o dizer, mas a Quiroprática virá sempre como primeira abordagem, quando falamos da coluna vertebral, pois a coluna é uma estrutura bastante complexa com peças móveis que dependem umas das outras e que mesmo que tenhamos uma abordagem de tratar apenas a “zona sintomática”, a disfunção poderá estar noutras zonas completamente diferentes, ou seja estamos a ”tapar o sol com a peneira”.
Nesta perspectiva, não existe nada parecido com a Quiroprática, dado que nós trabalhamos com a coluna que “temos”, mas que tem sempre espaço de melhoria de função e, consequente, melhoria sintomática.
RPS: A Quiroprática faz sentido para quem não sente dor? Se sim, a partir de que idade?
SBS: Costumo dizer que a Quiropráctica é para quem tem coluna, dos 0 aos 120 anos. Lá em casa, somos todos ajustados regularmente e mesmo quando não há sintomas, pois podemos ter disfunção mesmo sem sintomas. Na verdade, o meu filho que hoje tem 5 anos, é ajustado desde a primeira semana de vida e sempre que sente que está a ficar doente diz-me que precisa de ser ajustado, pois percebeu desde cedo que a Quiroprática tem acção também no sistema imunitário. Aliás, estudos confirmam que a Quiroprática melhora a função imunitária. Ou seja, ele é avaliado para perceber se há disfunção e se precisa de ajustamento. E é ajustado, mesmo que não tenha qualquer dor ou sintoma.